26 de novembro de 2008

Igualdade

Um felino habita seu espírito, seu andar sinuoso revela patas fortes, seu nariz é um focinho úmido farejando aventura. Ela espera que um estranho a tome na calada da noite, forte e vigoroso, para que ele não tema quando descobrir que o seu perfume de fêmea é livre, violento, insolente; para que ele fique excitado quando encontrar no sexo dela um desejo de auto-saciedade e não de sedução...

*A feline inhabits her spirit, her sinuous walk reveals strongs paws, her damp nose sniffs adventure. She waits a stranger to take her in the quiet night, strong and vigorous, for that he doesn't fear it when he discovers that her scent of female is free, violent, insolent; for that he gets excited when he finds in her sex a desire of self-satisfaction, not of seduction...

o meu primeiro arremedo de tentativa (mesmo que despretenciosa) de transformar esse blog em um blog
bilíngüe...

Ingênuo protesto

Que eu não saiba exatamente o que é liberdade... Sei, contudo, o que ela não é.
Resposta bem-educada ao seguinte comentário:
"O dinheiro traz liberdade. Um pobre nem entra num restaurante, alguém que tem um pouco mais de dinheiro escolhe o prato pelo valor e um rico sequer consulta o preço. Ele é livre para escolher o que bem entender."
Eu me pergunto, será então o consumo um sinônimo de liberdade? A resposta é óbvia: não!
E digo mais, se fôssemos capazes de diminuir as frustrações causadas pelo estilo de vida capitalista, com certeza, isso diminuiria nossa vontade de consumir. Sem os desejos superfluos, estaríamos livres para trabalhar cada vez menos nas coisas que não servem senão para sustentar nosso vão apetite consumista... Livres para nos descobrir, livres para sermos nós.
Eu quero escolher coisas mais importantes que o prato mais caro, a roupa da estação, o carro do ano...
Henry Miller, fala sobre trabalhadores imersos na inércia cotidiana, em Sexus:
"Eram apanhados pela engranagem desde o nascimento e continuavam presos até a morte; e tentavam dignificar esse ramerrão chamando-o de "vida". Se você pedisse a algum deles que explicasse ou definisse a vida, qual era o fim e o destino das coisas, receberia apenas um olhar vazio em resposta."
Que cada um recuse a prostituição de suas aptidões e desejos mais profundos em prol dessa noção distorcida de liberdade.

24 de novembro de 2008

Interlúdio - elogio ao auto-conhecimento

"Qualquer que seja a direção de nossa escolha, nos acharemos numa sala de espelhos; correremos como loucos, procurando uma saída, para descobrir que estamos cercados apenas por imagens distorcidas do nosso próprio querido ego." (Henry Miller, em Sexus)

Por isso, coloquemos uma das mãos entre as pernas... E de coxas molhadas, com a outra mão na cabeça, pensemos em todo resto. Isso é a vida.

22 de novembro de 2008

A poeira luminosa das idéias



"If the doors of perception were cleansed, everything would appear to man as it is, infinite.” (William Blake)

“Se as portas da percepção fossem limpas, tudo apareceria ao homem como é, infinito.”

Porque meus olhos não são objetivas, deixei às novas câmeras digitais (ou mesmo, às polaróides), aos poetas malditos e seus ferrenhos discursos o direito de dar contorno às formas. A mim, restou a particular tarefa de iluminar os objetos com suas cores complementares. Porém, a idéia não é original.
Em Um domingo de verão na Grande Jatte (1886), George Seurat deu sua perspectiva científico-artística do mundo: uma crítica apuradamente irônica à sociedade dos autômatos imersa em sua seriedade. Através de suas referências pictóricas à inércia social, com troncos cilíndricos, sombras perpendiculares, seus manequins geométricos bem distribuídos em proporção áurea (quase como num tabuleiro de xadrez), ele privou a natureza do imprevisto, nenhum vento soprava folhas e a luz era comedidamente exata ao propósito de iluminar a paisagem pitoresca e domada – não rasgava as vistas, nem eclipsava corações. Deliberadamente incongruente, Seurat salpicou a imagem com bem-temperadas e bizarras personagens: a senhora com um macaquinho na coleira, um homem tocando trompete e a arrebitada dona com uma vara de pescar.
Todavia, com o desenvolvimento tecnológico, o advento da fotografia, desde a revolução artística permanente no fim do século XVIII, os artistas foram obrigados a colocar em xeque a antiga visão técnica da arte, como sir Ernst Gombrich chamou: “a ruptura na tradição”. Sem o brilhantismo empírico dos seus precursores impressionistas, Seurat e mais alguns companheiros fizeram um profundo estudo de como desestruturar a imagem, eliminar o contorno e levaram a cabo a tarefa começada um pouco antes, dando vida ao Pontilhismo. Ao contrário dos impressionistas, Seurat não pintava a luz natural e não permitia em seus quadros a existência do improviso, do inesperado. Tudo era devidamente calculado e estudado. As cores eram acrescentadas a golpes pequenos e precisos, pontilhando a tela através do conjunto de cores que forma o todo, e não a mistura delas – como se fazia até então. Assim, Seurat acreditava que as cores se misturariam no cérebro, formando o tom plano que nós enxergamos afinal. Contudo, como Cézanne, ele não apreciava a propensa desorganização que essa técnica podia causar. Por isso, reduziu a imagem e o espaço a formas geométricas.
Infelizmente, Seurat – morto precocemente aos 32 anos, em 1891 – não conhecera os estudos sobre a composição do átomo feitos por Niels Böhr no início do século XX. Por volta de 1910, esse físico dinamarquês propôs que os átomos giravam em torno do núcleo em camadas e níveis de energia. E depois disso, os estudos sobre o universo subatômico nos levaram a conclusões cada vez mais assustadoras sobre o cerne da matéria.
Porque eu também me questionei sobre a dureza dos objetos quando me deparei com o vazio de um átomo, não enxergo o mundo com tanto pragmatismo.
Se feito o exercício de ampliar um átomo até o tamanho da cidade universitária da USP, isto é aproximadamente 4km², poderíamos visualizar o núcleo do tamanho de uma azeitona preta miudinha. Os elétrons seriam ainda menores. E tudo, absolutamente tudo, entre núcleo e elétrons, seria um vasto oco. Essa perspectiva é inquietante. Toda a matéria é composta por pequenos conjuntos desses minúsculos vazios.
Ainda mais ousado é pensar que o lócus de um elétron é apenas uma tendência, ou melhor, padrões de probabilidade. A vida só é sólida porque padrões probabilidade são difíceis de comprimir. Derrubando a visão de que um átomo se parece com uma bola de biliar, podemos finalmente enxergar que aquilo que compõe a matéria é um sem-número de conexões. Não existem objetos no nível subatômico, apenas uma contínua troca de matéria e energia. Todos nós fazemos parte de uma inseparável teia de relações, sem limites que possam ser definidos senão como ilusões.
Seurat previu isso em sua nova técnica, provavelmente inconsciente, porém inegavelmente brilhante. Expressando a vida através de uma poeira colorida e interconectada, ele não reduziu simplesmente o espaço a uma perspectiva euclidiana (apesar de suas formas quase matematicamente geométricas), mas sim o transmutou numa massa luminosa que jamais era interrompida.
Portanto, sem nos poupar de sua delicada crítica, Seurat nos presenteou também com uma visão sensível e perspicaz da realidade. E por mais complicado que possa parecer, o que há de mais sólido no mundo é na verdade o mais extenso e suave encadeamento idéias.

Livros:
Arte moderna (Argan)
A história da arte (Gombrich)
Impressionismo (Meyer Schapiro)


Filme:

21 de novembro de 2008

Lou 1:1

abençoados sejam os ignorantes porque eles dormem o sono dos justos.

jamais esqueça as entrelinhas

deixando as sombras do silêncio...
deixando às sombras meu silêncio.
deixando as margens da loucura...
deixando às margens minha loucura.
deixando as horas de solidão...
deixando às horas minha solidão.

um gosto nostálgico, regado por cores e temperado com erotismo.